Tutela dos Direitos da Personalidade através do Biodireito e da Bioética

(imagem ilustrativa/ autor desconhecido)

Estabelece o Código Civil em seu art. 12, que a vítima de atentado à sua personalidade possui direito de requerer, independentemente de indenização pelo dano, a cessação imediata do ato lesivo. Podendo a defesa do direito ser realizada de forma prévia ou repressiva.

Contudo, é certo observar que, quando a personalidade humana sofre um atentado, o direito de ingressar em juízo requerendo reparação pelo dano sofrido, através das regras da responsabilidade civil, não se confunde com o poder/direito conferido à vítima de requerer a cessação desse ato atentatório, a fim de se proteger resultados danosos ulteriores.

Deveras, as normas infraconstitucionais, em especial o art. 12 do Código Civil , devem ser interpretadas em consonância com a Constituição Federal. Entendendo-se desse modo, que o que dispõe o referido artigo, não deve ser restringido à proteção da personalidade aos direitos previstos no art. 5ºda Constituição Federal, muito menos aos arts. 13 a 20 do Código Civil.

Aqui, pode-se claramente destacar o biodireito em conjunto com a bioética. Isto porque, pelo fato de o biodireito ser um sistema jurídico derivado da junção da bioética e do direito, relacionado às relações jurídicas entre o direito e os avanços tecnológicos ligados à medicina e a biotecnologia, o conjunto normativo que a ele pertence deve ser interpretado conforme a Constituição Federal.

Desse modo, quando, em decorrência de um ato praticado por um dos profissionais da saúde, ou até mesmo que atente diretamente um direito personalíssimo praticado por aquele que não deveria praticar aquele determinado ato, pode o titular do direito requerer a cessação desse ato, ou ainda, quando já praticado, requerer reparação civil.

E ainda, ao analisar o parágrafo único do art. 12, a primeira vista, pode-se entender que o legislador se inclinaria em reconhecer a personalidade humana para além da morte do indivíduo. Entretanto, a personalidade da pessoa natural finda com a sua morte, conforme prevê o art. 6º do Código Civil, in verbis:

"Art. 6º. A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva". [1]

Assim, resta claro que o direito possui preocupação em proteger a personalidade humana mesmo após a morte da pessoa, entretanto, não no sentido de estendê-la para além da morte, mas sim de manter perene sua dignidade. E ainda, “este direito se direciona muito mais aos parentes do morto do que ao próprio indivíduo, tratando-se de um direito familiar, uma vez que os atentados são dirigidos não propriamente contra a pessoa falecida, mas sim contra sua memória.” [2]

Já o art. 13 do Código Civil destina-se a tutelar o direito da pessoa de dispor sobre as partes do seu próprio corpo, sendo certa a imposição de certos limites. O referido artigo veda a disposição do próprio corpo que cause diminuição permanente da integridade física ou contrarie os bons costumes.

O referido artigo, contudo, possui exceção a tal vedação quando tal disposição possui caráter terapêutico ou de transplante, conforme estabelece a legislação especial (Lei nº 9434/97).

Nesse diapasão, pode-se deduzir que aqui existe uma linha tênue entre as liberdades individuais e a coibição dos abusos contra o indivíduo ou contra a espécie humana. Desse modo, o direito sobre o próprio corpo não pode extrapolar os limites legais, causando diminuição permanente da integridade física da pessoa, contrariando a lei, ou os bons costumes.

Volto a apontar a importância da bioética ao tratar do art. 14 do Código Civil que estabelece, in verbis:

"Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo." [3]

É evidente, a necessidade da leitura do referido artigo a luz do que ensina a bioética, no sentido que ela existe para criar limites na atuação dos profissionais da área da saúde, bem como criar limites no desenvolvimento biotecnológico a fim de que não se atente contra o direito à vida, ou aos demais direitos personalíssimos presentes no ordenamento jurídico brasileiro.

E ainda, é muito importante a análise do art. 15 do referido codex. Isto porque, o referido artigo cuida da proteção à vida e à saúde da pessoa, impedindo que este seja constrangido a submeter-se a tratamento médico ou intervenção cirúrgica.

Com fulcro nos princípios bioéticos da beneficência e da não maleficência, bem como o dever de informação previsto no Código de Ética Médico (arts. 22 a 30), a deontologia médica recomenta que o profissional preste todas as informações possíveis ao paciente, ou aos seus familiares quando possível, fornecendo ao paciente cópia do seu prontuário, exames médicos e laboratoriais etc.

Cediço que, embora exista o dever de o profissional da saúde empregar todos os meios possíveis para salvar o paciente, deverá o profissional respeitar a vontade do enfermo conforme prevê os art. 22 do Código de Ética Médico e em respeito ao princípio bioético da autonomia de vontade, não podendo obrigá-lo a tratamento clínico ou cirúrgico, devendo sempre respeitar a relação médico-paciente, que consiste no consentimento informado (expresso).

Entretanto, tal dispositivo não deve ser empregado quando houver preponderância de interesse público à saúde sobre o interesse individual da pessoa. Restando claro, desse modo, que embora o Código Civil tutele a liberdade e a autonomia de vontade do paciente, estas não são absolutas.

Por derradeiro, pondero apenas em relação as modalidade de garantias dos direitos da personalidade.

Por primeiro, a tutela privada, sendo a sua utilização excepcional, pois, evidente que cabe ao Estado o dever de zelar pela paz e justiça. Caracteriza-se pelo momento de urgência de sua proteção, como, por exemplo, nos casos de legítima defesa ou estado de perigo.

Com relação a tutela indenizatória, é aquela prevista no art. 12 do Código Civil, que confere o direito de a vítima pleitear perdas e danos causados a direitos da personalidade. Cuida-se de responsabilidade civil, também estando prevista no art. 186 do mesmo dispositivo legal.

Por final, a tutela preventiva e atenuante, que é aquela também prevista no art. 12 do Código Civil, que confere ao titular do direito que requeira a cessação da ameaça ou lesão a direito da personalidade.

No mais, concluo que o direito brasileiro, através de normas gerais de proteção da personalidade, inseridas na Constituição Federal, no Código Civil e na legislação esparça, outorga ampla tutela aos direitos personalíssimos.


Autor: Dr. Luís Henrique Antonio & Dr. Mateus Feitosa

Bibliografia:

[1] BRASIL. Código Civil. ed. especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

[2] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 183.

[3] BRASIL. Código Civil. ed. especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

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